GOIÂNIA, BRASIL – Para seu primeiro show no Brasil desde o início de 2020, o promotor-empresário Marcos “Marquinhos” Araújo realizou algo grande. Cinquenta e seis mil pessoas compareceram ao segundo festival BBQ Mix, no dia 3 de julho, para assistir a 10 shows, quase todos de sertanejo – a música “country” do Brasil, originalmente tocada com viola caipira, que continua sendo o gênero mais popular do país – e para comer churrasco. E tinha muito: Após vender 52.000 porções de carne, o BBQ Mix dobrou o Recorde Mundial do Guinness para o maior quantidade de churrasco servida em oito horas, estabelecido no primeiro BBQ Mix há dois anos.
Araújo é um dos empresários musicais mais influentes do Brasil, e também um dos mais inventivos. Há mais de uma década, ele criou o festival Villa Mix que, de um evento originalmente sediado em Goiânia, passou a ser promovido em 27 cidades por todo o Brasil. Marquinhos criou o BBQ Mix como uma forma de atualizar o gênero que ele ajudou a popularizar. “Eu vi que o mercado sertanejo estava muito igual”, disse Araújo. “E essa ideia de misturar carne com cerveja e música poderia dar um jogo melhor.”
Mas tanto Araújo quanto o próprio sertanejo têm enfrentado desafios nos últimos tempos. Os principais artistas do empresário desertaram nos últimos dois anos e meio — incluindo os cantores sertanejos Gusttavo Lima e Jorge e Mateus, além da sensação internacional da dance-music, Alok — em parte devido aos contratos de gestão, de onde Araújo tirava até 60% do faturamento dos seus artistas.
O sertanejo, por sua vez, se envolveu em uma polêmica nacional que ficou conhecida como “CPI do sertanejo”, onda de investigações que apura se governos municipais estariam pagando preços inflacionados – usando o dinheiro público – para financiar shows de artistas deste gênero musical. Através destes contratos, considera-se que políticos locais poderiam estar usando esses shows para aumentar sua popularidade, e os altos cachês cobrados pelos artistas poderiam gerar propinas. A polêmica se acirrou em maio, quando, ao repudiarem o ataque de Zé Neto (da dupla sertaneja Zé Neto & Cristiano) à tatuagem de Anitta e à Lei Rouanet, apoiadores da artista chamaram a atenção para os shows sertanejos contratados por prefeitos locais.
As investigações de shows financiados com dinheiro público ocorreu em uma atmosfera política de pré-eleição altamente carregada. Desde maio, os promotores estaduais de todo o Brasil investigaram, suspenderam temporariamente ou cancelaram pelo menos 81 shows sertanejos financiados com dinheiro público por possíveis irregularidades na contratação de artistas por altos cachês – considerando que algumas dessas autoridades municipais falham em garantir serviços básicos para sua população”.
Os processos investigativos examinam contratos que envolvem algumas das maiores estrelas do gênero, incluindo Gusttavo Lima, artista da Sony Music, e Wesley Safadão, que receberiam até 1,2 milhão de reais (US$ 218.000) de governos locais, segundo documentos públicos.
Bruno – da dupla sertaneja vencedora do Grammy Latino, Bruno e Marrone – sente que sente que as investigações miram injustamente no gênero. “Todos os gêneros fazem show para prefeituras. Ou vai dizer que o artista quando recebe o contrato pede um relatório sobre a situação do município. É muita hipocrisia, e uma baita perseguição com o sertanejo. Por que não mostraram outros ritmos?”. Neto & Jr., dupla sertaneja que também se apresentou no BBQ Mix, teme que pessoas desonestas possam afetar a imagem do sertanejo. “Às vezes o prefeito paga um valor e a gente nem sabe de onde o dinheiro veio… O artista não pode perguntar todas as vezes de onde vem o dinheiro que está pagando o cachê dele. Se ele fizer isso com todo contratante, ele vai acabar não tocando em lugar nenhum”, afirmou Junior.
As estrelas endinheiradas do sertanejo se tornaram alvos de uma reação popular porque o gênero domina a música pop no Brasil, o 11º maior mercado da música, com receita total de 2,1 bilhões de reais em 2021 (US$ 382 milhões), segundo a associação de produtores fonográficos Pró-Música Brasil. Mais de um terço das músicas no top 50 de streaming do Pró-Música, em junho, eram faixas sertanejas incluindo três do top 10. Em 2021, a Sony Music pagou US$ 255 milhões pela maior gravadora independente do Brasil, a Som Livre, que controla os catálogos de músicas gravadas de muitas das maiores estrelas do sertanejo.
Guinness World Record concede a Marcos Araújo certificado por maior quantidade de carne grelhada servida em 8 horas.
Originalmente visto como um tipo de “cowboy music”, vindo, sobretudo, do coração agrícola brasileiro, o sertanejo ganhou popularidade na década de 90, se espalhando do interior do país para cidades costeiras cosmopolitas como o Rio de Janeiro.
A música sertaneja se configura como um “amálgama de gêneros”, disse Gustavo Alonso, autor de Cowboys do Asfalto: música sertaneja e modernização brasileira, livro sobre a história do sertanejo. “Ela foi incorporando diversos gêneros ao longo da sua história. Lá nos anos 50, foi a guarânia, a rancheira, o bolero. Nos 60 e 70, o rock. Nos 80, o brega. Depois, o funk, o piseiro, o forró. É difícil definir o que é a música sertaneja, porque ela surgiu da antropofagia cultural”.
É difícil imaginar uma cidade onde o sertanejo seja mais adorado do que Goiânia, chamada por Araújo de “Nashville do Brasil”. Em março, a prefeitura a designou “capital do sertanejo” – um aceno à sua crescente importância como centro cultural e de produção de artistas. Em novembro de 2021, cerca de 100.000 pessoas comparecerem à principal arena esportiva de Goiânia para o velório de Marília Mendonça, a maior artista feminina do gênero, depois da sua morte em um acidente de avião.
Araújo cresceu em Goiás, trabalhando em uma rádio local e como DJ de house music antes de descobrir talentos como Lima e Jorge e Mateus. Ele firmou uma forte parceria com o agente da WME, Rob Markus, que acredita que o sertanejo tem grande potencial de crossover com outros gêneros. “Quando mostramos um pouco da música sertaneja para as pessoas em Nashville, houve definitivamente algum interesse”, disse Markus à Billboard em 2021. “Vai ser preciso uma estratégia inteligente porque, no final das contas, são grandes estrelas pop [no Brasil]”.
Uma parte do desafio é convencer os artistas brasileiros a aprenderem inglês ou espanhol — como fez a Anitta — e focar em regiões fora do lucrativo mercado brasileiro, onde chegam a fazer 250 shows por ano. (Jorge e Mateus disseram a Billboard em 2021 que não planejam fazer esse tipo de investimento para se projetarem globalmente).
Araújo usou o Villa Mix para promover alguns dos maiores artistas do gênero a nível nacional, mas, em 2019, ele começou a perder alguns dos seus clientes mais importantes devido a disputas contratuais e à tendência dos artistas à autogestão. Seus termos contratuais – que, segundo Araújo, variam de 10% a 60% dos ganhos, dependendo do artista – não são inéditos no Brasil, principalmente para artistas mais novos ou em desenvolvimento. Além disso, as funções de empresário, agente e promotor frequentemente encontram-se entrelaçadas. Ainda assim, algumas fontes da indústria musical brasileira criticam Araújo, acusando-o de ganância e até manipulação em suas negociações.
“Eu sempre lutei pelos meus artistas,” disse Araújo. “Nunca fiz conta para aquilo que eu investiria”. Ele também disse que não está sozinho entre os empresários-promotores que recentemente perderam artistas que decidiram administrar suas próprias carreiras, uma decisão que, segundo ele, sempre respeitou. (Henrique e Juliano, outra grande dupla sertaneja, anunciaram na semana passada que não renovariam o contrato deles com a WorkShow, uma agência de artistas de Goiânia, onde eles iniciaram suas carreiras).
A verdadeira paixão do empresário não é gerenciar artistas, mas organizar shows. E a maior parte da renda de Araújo, segundo ele, vem de suas vastas propriedades agrícolas, principalmente da criação de gado. Mas o desafio de lançar novos artistas ainda o inspira.
Araújo acredita que pode criar um “crossover sertanejo” com o cliente Kevin Brauer, um DJ de dance music e produtor brasileiro-americano que se apresenta como Sevenn. Crescido no Rio de Janeiro e alfabetizado em inglês, Brauer, que também subiu ao palco do BBQ Mix, está sendo incentivado por Araújo a formar uma banda sertaneja. “Se acertar nos EUA, se cair na graça do americano, cantando sertanejo em inglês, aí acabou com tudo”, disse Araújo (“Existem muitas melodias boas no sertanejo”, disse Brauer à Billboard. “Eu estou tentando descobrir como isso funcionária para os EUA”).
Por sua grande repercussão, o debate nacional sobre o financiamento de shows com dinheiro público passou a ser tema no congresso brasileiro e até mesmo nas campanhas eleitorais. Em 13 de julho, Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente de esquerda que está liderando na disputa presidencial contra o presidente Jair Bolsonaro, opinou sobre a polêmica. “Os prefeitos gastam uma fortuna com os artistas que cobram R$ 1 milhão e não são capazes de gastar R$ 30 com um grupo de teatro local, de música local”, disse Lula em um evento com representantes do setor artístico, “isto porque é uma sociedade formada por uma elite dirigente incompreensível”.
![BBQ Mix Festival](https://www.billboard.com/wp-content/uploads/2022/08/market-global-report-bbq-mix-billboard-2022-bb09-beatriz-miranda-1-1548.jpg?w=1024)
Churrasqueiros em atividade na segunda edição do BBQ Mix